Achei muito
pertinente a entrevista do
Neurocientista espanhol Francisco Mora Especialista em Neuroeducação, concedida a
Ana Torres Menárguez,
publicada no
Jornal El País (Madrid, Espanha), em 23 de Fevereiro de 2017. Não
reproduzi neste espaço à época, pois o tema não prescreve, e continuará atual por muito tempo. Leia a entrevista na íntegra, e tire suas conclusões.
Dr. Francisco Mora
Os grifos e reorganização dos parágrafos são nossos.
"Especialista em
Neuroeducação aposta na mudança de metodologias, mas pede cautela na aplicação
da Neurociência na Educação.
A Neuroeducação, disciplina que estuda como o cérebro
aprende, está dinamitando as metodologias tradicionais de ensino. Sua
principal contribuição é que o cérebro precisa se emocionar para
aprender e, de alguns anos para cá, não existe ideia inovadora considerada
válida que não contenha esse princípio.
No entanto, uma das maiores referências na Espanha nesse
campo, o Doutor em Medicina Francisco Mora, recomenda cautela e adverte que na
Neuroeducação ainda há mais perguntas do que respostas.
Mora, autor do livro Neuroeducación. Solo se puede
aprender aquello que se ama (Neuroeducação. Só se
pode aprender aquilo que se ama), que já atingiu a marca de onze
edições desde 2013, também é Doutor em Neurociência pela Universidade de
Oxford. Começou a se interessar pelo assunto em 2010, quando participou do
primeiro Congresso Mundial de Neuroeducação realizado no Peru.
Mora argumenta que a educação pode ser transformada para tornar
a aprendizagem mais eficaz, por exemplo, reduzindo o tempo das
aulas para menos de 50 minutos para que os alunos sejam capazes
de manter a atenção.
O professor de Fisiologia Humana da Universidade Complutense alerta
que na educação ainda são consideradas válidas concepções equivocadas
sobre o cérebro, o que ele chama de Neuromitos. Além
disso, Mora está ligado ao Departamento de Fisiologia Molecular e
Biofísica da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos".
"Pergunta. Por que é importante levar em conta as descobertas da Neuroeducação para transformar a forma de aprender?
Resposta. No contexto internacional há muita fome para ancorar em algo
sólido o que até agora são apenas opiniões, e esse interesse se dá
especialmente entre os professores.
O que a neuroeducação faz é transferir a informação de como o cérebro
funciona com a melhoria dos processos de aprendizagem. Por
exemplo, saber quais estímulos despertam a atenção, que em seguida
dá lugar à emoção, pois sem esses dois fatores nenhuma aprendizagem
ocorre.
O cérebro humano não mudou nos últimos 15.000 anos; poderíamos ter uma
criança do Paleolítico Inferior numa escola e o professor não perceber. A
educação tampouco mudou nos últimos 200 anos e já temos algumas evidências de
que é urgente fazer essa transformação. Devemos redesenhar a forma de
ensinar.
Pergunta: Quais são as certezas que já podem ser aplicadas?
Resposta: Uma delas é a idade em que se deve aprender a ler.
Hoje sabemos que os circuitos neurais que codificam para transformar de
grafema a fonema, o que você lê e o que você diz, não fazem conexões
sinápticas antes dos seis anos.
Se os circuitos que permitirão aprender a ler não estão formados, se
poderá ensinar com um chicote, com sacrifício, sofrimento, mas não
de forma natural. Se você começa com seis, em pouquíssimo tempo aprenderá,
enquanto que se começar com quatro talvez consiga, mas com enorme sofrimento.
Tudo o que é doloroso tendemos a rejeitar, não queremos, enquanto aquilo que é
prazeroso tentamos repetir.
Pergunta: Qual é a principal mudança que o sistema de
ensino atual deve sofrer?
Resposta: Hoje estamos começando a saber que ninguém pode aprender qualquer
coisa se não estiver motivado.
É necessário despertar a curiosidade, que é o mecanismo
cerebral capaz de detectar a diferença na monotonia diária. Presta-se atenção
àquilo que se destaca. Estudos recentes mostram que a aquisição
de conhecimentos compartilha substratos neuronais com a busca
de água, alimentos e sexo. O prazeroso.
Por isso é preciso acender uma emoção no
aluno, que é a base mais importante sobre a qual se
apoiam os processos de aprendizagem e memória. As emoções servem
para armazenar e recordar de uma forma mais eficaz.
Pergunta: Quais estratégias o professor pode usar para despertar essa curiosidade?
Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça
Resposta: Ele deve começar a aula com algum elemento provocador, uma frase ou uma imagem que seja chocante.
Romper o esquema e sair da monotonia. Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça. A atenção deve ser evocada com mecanismos que a Psicologia e a Neurociência estão começando a desvendar.
Métodos associados
à recompensa, e não à punição. Desde que somos mamíferos, há mais de 200
milhões de anos, a emoção é o que nos move. Os elementos desconhecidos,
que nos surpreendem, são aqueles que abrem a janela da atenção,
imprescindível para a aprendizagem.
Francisco Mora, Doutor em Medicina e Neurociência. JAIME
VILLANUEVA (reprodução)
Pergunta: O senhor
alertou em várias ocasiões para a necessidade de ser cauteloso em relação às
evidências da Neuroeducação. Em que ponto o senhor está?
Resposta: A
neuroeducação não é como o Método Montessori, não existe um decálogo que possa ser aplicado.
Ainda não é uma disciplina acadêmica com um corpo ordenado de conhecimentos.
Precisamos de tempo para continuar pesquisando porque o que conhecemos hoje em
profundidade sobre o cérebro não é totalmente aplicável ao dia a dia em sala de
aula.
Muitos cientistas dizem que é muito cedo para levar a neurociência às
escolas, primeiro porque os professores não entendem do que você está lhes
falando e segundo porque não há literatura científica suficiente para afirmar
em quais idades é melhor aprender, quais conteúdos e como. Há flashes de
luz.
Pergunta: O senhor
poderia contar alguns dos mais recentes?
Resposta: Estamos
percebendo, por exemplo, que a atenção não pode ser mantida durante 50
minutos, por isso é preciso romper o formato atual das aulas. Mais vale
assistir 50 aulas de 10 minutos do que 10 aulas de 50 minutos.
Na prática, uma vez que esses formatos não serão alterados em breve, os
professores devem quebrar a cada 15 minutos com um elemento disruptor: uma
anedota sobre um pesquisador, uma pergunta, um vídeo que levante um assunto diferente...
Há algumas
semanas, a Universidade de Harvard me encarregou de criar um MOOC (curso online aberto e massivo, na sigla em
inglês) sobre Neurociência. Tenho de concentrar tudo em 10 minutos para que os
alunos absorvam 100% do conteúdo. Nessa linha irão as coisas no futuro.
Pergunta: Em seu
livro Neuroeducação: Só se pode aprender aquilo que se ama, o senhor
adverte sobre o perigo dos chamados Neuromitos. Quais são os mais
difundidos?
Resposta: Há muita
confusão e erros de interpretação dos fatos científicos, o que chamamos
de Neuromitos. Um dos mais generalizados é que utilizamos apenas 10% da capacidade do cérebro.
Ainda se vendem programas de computador baseados
nisso e as pessoas acreditam que poderão aumentar suas capacidades e
inteligência para além de suas próprias limitações.
Nada pode substituir o
lento e difícil processo do trabalho e da disciplina quando se trata de
aumentar as capacidades intelectuais. Além disso, o cérebro utiliza todos os
seus recursos a cada vez que se depara com a resolução de problemas, com
processos de aprendizagem ou de memória.
Outro Neuromito é
o que fala do cérebro direito e esquerdo e que as crianças deveriam
ser classificadas em função de qual dos dois cérebros é mais desenvolvido
nelas.
Ao analisar as funções de ambos os hemisférios em laboratório, constatou-se
que o hemisfério direito é o criador e o esquerdo é o analítico – o da
linguagem e da matemática.
Extrapolou-se a ideia de que há crianças com predominância de cérebros direitos
ou esquerdos e criou-se o equívoco, o mito, de que há dois cérebros que
trabalham de forma independente, e que se tal separação não for feita na hora
de ensinar as crianças, isso as prejudica.
Essa dicotomia não existe, a
transferência de informações entre os dois hemisférios é constante. Se temos
talentos mais próximos da matemática ou do desenho, isso não se refere aos
hemisférios, mas à produção conjunta de ambos.
Pergunta: A Neuroeducação está influindo em outros aspectos do ensino?
Resposta: Há um
movimento muito interessante que é o da Neuroarquitetura, que visa à
criação de escolas com formas inovadoras que gerem bem-estar enquanto se
aprende.
A Academia de Neurociências para o Estudo da
Arquitetura, nos Estados
Unidos, reuniu arquitetos e neurocientistas para conceber novos modos de
construir. Novos edifícios nos quais, embora seja importante seu
desenho arquitetônico, a luz seja contemplada, assim como
a temperatura e o ruído, que tanto afetam o rendimento mental.
Fonte: El País,
Edição do Brasil. Acesso em 22/02/2017 e 09/12/17
Fonte da Imagem da escola em Moçambique, África
Achei muito
pertinente a entrevista do
Neurocientista espanhol Francisco Mora Especialista em Neuroeducação, concedida a
Ana Torres Menárguez,
publicada no
Jornal El País (Madrid, Espanha), em 23 de Fevereiro de 2017. Não
reproduzi neste espaço à época, pois o tema não prescreve, e continuará atual por muito tempo. Leia a entrevista na íntegra, e tire suas conclusões.
Dr. Francisco Mora |
Os grifos e reorganização dos parágrafos são nossos.
"Especialista em
Neuroeducação aposta na mudança de metodologias, mas pede cautela na aplicação
da Neurociência na Educação.
A Neuroeducação, disciplina que estuda como o cérebro
aprende, está dinamitando as metodologias tradicionais de ensino. Sua
principal contribuição é que o cérebro precisa se emocionar para
aprender e, de alguns anos para cá, não existe ideia inovadora considerada
válida que não contenha esse princípio.
No entanto, uma das maiores referências na Espanha nesse
campo, o Doutor em Medicina Francisco Mora, recomenda cautela e adverte que na
Neuroeducação ainda há mais perguntas do que respostas.
Mora, autor do livro Neuroeducación. Solo se puede
aprender aquello que se ama (Neuroeducação. Só se
pode aprender aquilo que se ama), que já atingiu a marca de onze
edições desde 2013, também é Doutor em Neurociência pela Universidade de
Oxford. Começou a se interessar pelo assunto em 2010, quando participou do
primeiro Congresso Mundial de Neuroeducação realizado no Peru.
Mora argumenta que a educação pode ser transformada para tornar
a aprendizagem mais eficaz, por exemplo, reduzindo o tempo das
aulas para menos de 50 minutos para que os alunos sejam capazes
de manter a atenção.
O professor de Fisiologia Humana da Universidade Complutense alerta
que na educação ainda são consideradas válidas concepções equivocadas
sobre o cérebro, o que ele chama de Neuromitos. Além
disso, Mora está ligado ao Departamento de Fisiologia Molecular e
Biofísica da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos".
"Pergunta. Por que é importante levar em conta as descobertas da Neuroeducação para transformar a forma de aprender?
Resposta. No contexto internacional há muita fome para ancorar em algo
sólido o que até agora são apenas opiniões, e esse interesse se dá
especialmente entre os professores.
O que a neuroeducação faz é transferir a informação de como o cérebro
funciona com a melhoria dos processos de aprendizagem. Por
exemplo, saber quais estímulos despertam a atenção, que em seguida
dá lugar à emoção, pois sem esses dois fatores nenhuma aprendizagem
ocorre.
O cérebro humano não mudou nos últimos 15.000 anos; poderíamos ter uma
criança do Paleolítico Inferior numa escola e o professor não perceber. A
educação tampouco mudou nos últimos 200 anos e já temos algumas evidências de
que é urgente fazer essa transformação. Devemos redesenhar a forma de
ensinar.
Pergunta: Quais são as certezas que já podem ser aplicadas?
Resposta: Uma delas é a idade em que se deve aprender a ler.
Hoje sabemos que os circuitos neurais que codificam para transformar de
grafema a fonema, o que você lê e o que você diz, não fazem conexões
sinápticas antes dos seis anos.
Se os circuitos que permitirão aprender a ler não estão formados, se
poderá ensinar com um chicote, com sacrifício, sofrimento, mas não
de forma natural. Se você começa com seis, em pouquíssimo tempo aprenderá,
enquanto que se começar com quatro talvez consiga, mas com enorme sofrimento.
Tudo o que é doloroso tendemos a rejeitar, não queremos, enquanto aquilo que é
prazeroso tentamos repetir.
Pergunta: Qual é a principal mudança que o sistema de
ensino atual deve sofrer?
Resposta: Hoje estamos começando a saber que ninguém pode aprender qualquer
coisa se não estiver motivado.
É necessário despertar a curiosidade, que é o mecanismo
cerebral capaz de detectar a diferença na monotonia diária. Presta-se atenção
àquilo que se destaca. Estudos recentes mostram que a aquisição
de conhecimentos compartilha substratos neuronais com a busca
de água, alimentos e sexo. O prazeroso.
Por isso é preciso acender uma emoção no
aluno, que é a base mais importante sobre a qual se
apoiam os processos de aprendizagem e memória. As emoções servem
para armazenar e recordar de uma forma mais eficaz.
Pergunta: Quais estratégias o professor pode usar para despertar essa curiosidade?
Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça
Resposta: Ele deve começar a aula com algum elemento provocador, uma frase ou uma imagem que seja chocante.
Romper o esquema e sair da monotonia. Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele o faça. A atenção deve ser evocada com mecanismos que a Psicologia e a Neurociência estão começando a desvendar.
Métodos associados
à recompensa, e não à punição. Desde que somos mamíferos, há mais de 200
milhões de anos, a emoção é o que nos move. Os elementos desconhecidos,
que nos surpreendem, são aqueles que abrem a janela da atenção,
imprescindível para a aprendizagem.
Francisco Mora, Doutor em Medicina e Neurociência. JAIME
VILLANUEVA (reprodução)
|
Pergunta: O senhor
alertou em várias ocasiões para a necessidade de ser cauteloso em relação às
evidências da Neuroeducação. Em que ponto o senhor está?
Resposta: A
neuroeducação não é como o Método Montessori, não existe um decálogo que possa ser aplicado.
Ainda não é uma disciplina acadêmica com um corpo ordenado de conhecimentos.
Precisamos de tempo para continuar pesquisando porque o que conhecemos hoje em
profundidade sobre o cérebro não é totalmente aplicável ao dia a dia em sala de
aula.
Muitos cientistas dizem que é muito cedo para levar a neurociência às
escolas, primeiro porque os professores não entendem do que você está lhes
falando e segundo porque não há literatura científica suficiente para afirmar
em quais idades é melhor aprender, quais conteúdos e como. Há flashes de
luz.
Pergunta: O senhor
poderia contar alguns dos mais recentes?
Resposta: Estamos
percebendo, por exemplo, que a atenção não pode ser mantida durante 50
minutos, por isso é preciso romper o formato atual das aulas. Mais vale
assistir 50 aulas de 10 minutos do que 10 aulas de 50 minutos.
Na prática, uma vez que esses formatos não serão alterados em breve, os
professores devem quebrar a cada 15 minutos com um elemento disruptor: uma
anedota sobre um pesquisador, uma pergunta, um vídeo que levante um assunto diferente...
Há algumas
semanas, a Universidade de Harvard me encarregou de criar um MOOC (curso online aberto e massivo, na sigla em
inglês) sobre Neurociência. Tenho de concentrar tudo em 10 minutos para que os
alunos absorvam 100% do conteúdo. Nessa linha irão as coisas no futuro.
Pergunta: Em seu
livro Neuroeducação: Só se pode aprender aquilo que se ama, o senhor
adverte sobre o perigo dos chamados Neuromitos. Quais são os mais
difundidos?
Resposta: Há muita
confusão e erros de interpretação dos fatos científicos, o que chamamos
de Neuromitos. Um dos mais generalizados é que utilizamos apenas 10% da capacidade do cérebro.
Ainda se vendem programas de computador baseados
nisso e as pessoas acreditam que poderão aumentar suas capacidades e
inteligência para além de suas próprias limitações.
Nada pode substituir o
lento e difícil processo do trabalho e da disciplina quando se trata de
aumentar as capacidades intelectuais. Além disso, o cérebro utiliza todos os
seus recursos a cada vez que se depara com a resolução de problemas, com
processos de aprendizagem ou de memória.
Outro Neuromito é
o que fala do cérebro direito e esquerdo e que as crianças deveriam
ser classificadas em função de qual dos dois cérebros é mais desenvolvido
nelas.
Ao analisar as funções de ambos os hemisférios em laboratório, constatou-se
que o hemisfério direito é o criador e o esquerdo é o analítico – o da
linguagem e da matemática.
Extrapolou-se a ideia de que há crianças com predominância de cérebros direitos
ou esquerdos e criou-se o equívoco, o mito, de que há dois cérebros que
trabalham de forma independente, e que se tal separação não for feita na hora
de ensinar as crianças, isso as prejudica.
Essa dicotomia não existe, a
transferência de informações entre os dois hemisférios é constante. Se temos
talentos mais próximos da matemática ou do desenho, isso não se refere aos
hemisférios, mas à produção conjunta de ambos.
Pergunta: A Neuroeducação está influindo em outros aspectos do ensino?
Resposta: Há um
movimento muito interessante que é o da Neuroarquitetura, que visa à
criação de escolas com formas inovadoras que gerem bem-estar enquanto se
aprende.
A Academia de Neurociências para o Estudo da
Arquitetura, nos Estados
Unidos, reuniu arquitetos e neurocientistas para conceber novos modos de
construir. Novos edifícios nos quais, embora seja importante seu
desenho arquitetônico, a luz seja contemplada, assim como
a temperatura e o ruído, que tanto afetam o rendimento mental.
Fonte: El País,
Edição do Brasil. Acesso em 22/02/2017 e 09/12/17
Fonte da Imagem da escola em Moçambique, África